O silêncio depois do clique
- Toni Pires

- 17 de set.
- 2 min de leitura

Por Toni Pires.
Há sempre um instante que vem depois da fotografia. É quase imperceptível: um sopro, um vazio breve, como se o mundo segurasse a respiração por um segundo. O clique não é o fim — é o começo de um silêncio.
Esse silêncio é estranho. É nele que a imagem se assenta dentro de nós. O dedo já deixou a tela, a cena diante dos olhos segue seu curso, mas algo se desloca: passamos a enxergar o que antes era apenas fluxo. A fotografia é uma pausa dentro da pressa, e cada pausa tem o seu eco.
Com o celular, esse instante parece ainda mais íntimo. Não há o peso de uma câmera grande, não há o ritual do ajuste das lentes, não há o disparo mecânico seco. Há apenas o gesto leve de deslizar um dedo, quase um segredo entre nós e a cena. E mesmo assim, depois do clique, vem o mesmo silêncio. Um intervalo em que o fotógrafo e o fotografado já não pertencem ao tempo.
Recordo-me de algumas vezes em que esse silêncio foi quase insuportável. Fotografar um corpo caído em uma rua após um acidente, por exemplo. Ou o olhar aflito de alguém em um protesto. O celular registrou em segundos, mas eu permaneci minutos encarando o peso daquilo. A imagem é rápida, o silêncio é eterno.
Mas há também o outro lado: o silêncio doce. O registro de um pôr do sol entre prédios, a gargalhada de uma criança na calçada, a sombra inesperada de uma árvore desenhando mapas na parede. Depois do clique, a cidade seguiu barulhenta, mas dentro de mim havia apenas um sopro de calma. Como se fotografar fosse também uma forma de respirar melhor.
É nesse silêncio que a fotografia se revela. Não no brilho imediato da tela, não nos filtros, não nas curtidas que virão. Mas naquele espaço íntimo em que percebemos o que a imagem carrega. Muitas vezes não é o que está no quadro, mas o que ficou fora dele: o som de uma música que não aparece, o cheiro da rua que a foto não guarda, a sensação do vento que só quem estava lá sentiu.
O celular, tão cotidiano, transformou esse silêncio em algo banal e sagrado ao mesmo tempo. Ele nos dá a ilusão de que tudo pode ser registrado, mas nos lembra, no instante seguinte, que nenhuma foto é suficiente. O clique captura o visível, mas o silêncio guarda o invisível.
Talvez por isso seguimos fotografando. Não para vencer o esquecimento, mas para conviver com esse vazio. O clique nos dá a prova; o silêncio, a consciência. Um mostra que estivemos lá, o outro nos pergunta o que faremos com isso agora.
E assim, cada fotografia é também uma pergunta sem resposta. Uma janela aberta no tempo, seguida por um quarto silencioso dentro de nós.
No fim, talvez seja essa a verdadeira função da imagem: não só congelar o instante, mas nos ensinar a escutá-lo. Porque é sempre no silêncio depois do clique que a fotografia se torna memória.



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