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Um convite ao fotojornalismo

  • Foto do escritor: Toni Pires
    Toni Pires
  • 30 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 10 de set.

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A lente no bolso: o fotojornalismo em tempos de mobilidade


Antes de tudo, gostaria de expressar meu sincero agradecimento à equipe da Mobgraphia pelo generoso convite para integrar este espaço como colunista. É um privilégio e, mais que isso, uma necessidade: criar espaços para discutir o fotojornalismo é também manter viva a reflexão sobre o papel das imagens na construção da nossa história contemporânea.

É afirmar a imagem como linguagem viva — e o olhar jornalístico como uma bússola ética no meio do caos.


Falar sobre fotojornalismo é falar sobre urgência. Sobre estar no lugar certo, na hora certa, com o olhar treinado, a sensibilidade alerta e a ética e responsabilidade em primeiro plano. É também, cada vez mais, falar sobre portabilidade — e aí entra o protagonista desta crônica: o celular. A câmera que cabe no bolso e, com ela, uma revolução silenciosa na forma como registramos o mundo.


Durante décadas, o fotojornalismo esteve atrelado a equipamentos robustos, lentes pesadas, mochilas carregadas de baterias e cartões de memória. O ritual técnico ainda é parte fundamental do ofício, mas já não é o único caminho. A tecnologia móvel, com câmeras cada vez mais sofisticadas nos smartphones, tem ganhado espaço como aliada potente e, por vezes, indispensável.


Mas não se trata apenas de praticidade. A câmera do celular oferece algo que vai além da técnica: discrição. Em ambientes tensos ou restritos, o celular permite uma aproximação mais sutil com o sujeito fotografado. A presença do fotógrafo se torna menos ameaçadora, mais orgânica. Essa característica tem sido valorizada por profissionais em zonas de conflito, em protestos, em registros cotidianos onde a espontaneidade pode ser o diferencial entre uma imagem comum e uma que denuncia, emociona ou transforma.


O fotojornalista Michael Christopher Brown, que documentou conflitos na Líbia usando apenas um iPhone, afirmou em entrevista: “As pessoas não se sentem tão ameaçadas por um celular. É como se a barreira desaparecesse.” E quando a barreira desaparece, o que se revela é o humano. O celular se torna um mediador sensível entre o acontecimento e a narrativa, entre o fato e o sentimento.


Estudos como os de José Afonso da Silva Júnior e Lúcio Amaral (2019), que analisam o impacto das tecnologias móveis no jornalismo, apontam que o celular não substitui o olhar jornalístico, mas amplia suas possibilidades. É mais uma ferramenta — e poderosa — na caixa do repórter visual. A qualidade técnica das câmeras móveis, aliada a aplicativos de edição e transmissão em tempo real, transformou o celular em um estúdio portátil. O fotógrafo já não depende apenas das redações: ele pode produzir, editar e publicar direto da palma da mão.


É preciso, no entanto, ir além do fascínio técnico. O uso do celular no fotojornalismo deve ser pensado também em termos éticos. A facilidade de acesso e publicação pode levar à banalização de certos registros. O compromisso com a verdade, com a responsabilidade de narrar a dor ou a glória do outro, não muda com o equipamento. Pelo contrário: exige ainda mais critério, ainda mais consciência. Como alerta Susan Sontag, em Diante da dor dos outros, a imagem tem o poder de sensibilizar ou anestesiar, dependendo da forma como é produzida e exibida.


Talvez o maior mérito da fotografia móvel no jornalismo esteja justamente em sua capacidade de democratizar o olhar. Nunca tantos olhos estiveram atentos, nunca tantas lentes estiveram ao alcance de mãos comuns. Isso impõe desafios — como o excesso de informação e a necessidade de curadoria — mas também oferece oportunidades inéditas: o registro colaborativo, a denúncia em tempo real, o fortalecimento de narrativas locais e independentes e o desafio é entrelaçar esse mundo colaborativo ao papel do profissional do fotojornalismo.


Assim, sigo acreditando na força da imagem como documento e poesia. E sigo defendendo o celular como mais que um dispositivo tecnológico: ele é extensão do olhar, instrumento de escuta, testemunha ocular de um tempo urgente. Que possamos seguir atentos, com o bolso vibrando e o olhar afiado — porque, no fim das contas, o que realmente importa é o que escolhemos ver e como decidimos contar.


E aqui entra outro ponto central: o olhar treinado. A tecnologia, por mais avançada que seja, não substitui o repertório visual, a sensibilidade ética e a capacidade narrativa do fotojornalista.

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